quinta-feira, 28 de agosto de 2008

WALL-E

Derreti.
E o meu eu derretido ainda está na sala de cinema.

"Quando voltares de férias, apita"

Foi isto que ele me disse. E eu, que só me lembro daquelas respostas secas e inteligentes quando já se passou demasiado tempo, não disse nada. Não vou ligar, nem quero ligar, nem temos nada para dizer um ao outro.

Apita?
Só se for com a buzina do carro.

Era isto que eu devia ter respondido.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Ter um cão


Ter um cão é acordar com uma lambidela nos pés.
É não poder comer batatas fritas, castanhas assadas ou bolos de qualquer espécie sem ter um focinho em cima dos joelhos.
É ser recebido com uma festa enorme sempre que se entra em casa.
É acordar todos os dias mais cedo para ir à rua e isso não ser um frete.
É apanhar os cócós com um saco.
É ter uma sombra de quatro patas que anda atrás de nós para todo o lado, nem que seja do quarto para a sala e da sala para a casa de banho.
É falar de uma forma infantil e fazer-lhes perguntas como se fossem pessoas.
É ser cumprimentado com uma festa enorme quando se acorda, todos os dias.
É fazer corridas e figuras parvas à porta de casa, com 25 anos.
É ralhar-lhes quando fazem merda.
É limpar a merda que fazem.
É coçar-lhes as costas e a barriga.
É ter o coração do tamanho de uma ervilha quando têm algum problema.

Tenho o coração do tamanho de uma ervilha.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Queria tanto

Queria tanto um convite inesperado, que chegou um convite inesperado.
Queria tanto que alguém perdesse a cabeça, que alguém perdeu a cabeça.
Queria tanto uma mensagem arriscada, que chegou uma mensagem arriscada.
Tão arriscada que não era de quem eu queria.

domingo, 17 de agosto de 2008

Copeland #2

When you look at me
There can be no hesitation
There cannot be a close second to you
I don't know what to do

Nostalgias

Fui ao Parque de Santa Marta, na Ericeira, e à aldeia em miniatura do José Franco, no Sobreiro. Lembro-me de lá ir há 15 anos, antes até. Lembro-me de memórias que só agora vejo que são memórias porque até pensar nisso eram coisas que estavam presentes, não coisas que tinham acontecido há mais de dez anos. Os dois sítios estão bonitos, cuidados, e há um certo orgulho em querer voltar e poder voltar porque aquilo ainda existe e ainda existe vivo e não está cheio de teias de aranha e a cheirar a mofo. Mas ao mesmo tempo é esquisito: no Sobreiro ainda há pão com chouriço, eu é que já não o como (porque deixei de comer carne há anos); em Santa Marta há internet sem fios mas já não há matraquilhos, e eu já não caibo nos baloiços novos que lá fizeram. O parque continua aberto, foi remodelado; o Sobreiro continua com as suas miniaturas e com os seus moinhos, mas eu já não sou a mesma que ia a um lado e a outro.
Por isso pergunto: os sítios estão no mesmo sítio, mas eu onde é que estou? Porque é que não é tão fácil chegar a 15 anos atrás como é fácil chegar a um sítio e a outro? Ou então, como é que se transforma uma coordenada geográfica (chegando à Ericeira, virar para o centro e estacionar junto à igreja) numa coordenada temporal?

valter hugo mãe (e a simplicidade)

"Ter escrito um romance em que as protagonistas são mulheres-a-dias tem a ver com acreditar nas pessoas. Não acredito num país de doutores, de famosos. Acredito em quem mostra coisa feita. Seja ela qual for. Eu tenho dificuldade em engomar uma camisa, mas qualquer mulher-a-dias sabe fazê-lo. A minha família é enorme. Deste universo, são pouquíssimos os que se licenciaram. E, no entanto, vejo-os a progredirem, a educar os filhos, a encontrar espaços de felicidade que eu, muitas vezes, não consigo atingir com tanta simplicidade. Cultivo determinadas angústias que o comum dos cidadãos não tem paciência nem tempo para cultivar. Em última análise, se eu tivesse um bocadinho mais de mulher-a-dias, estaria melhor. Depois de ler determinados livros que nos vão abrindo os olhos, a vida torna-se mais pesada. Mas depois já não há retorno. A única coisa que podes fazer é contemplar os outros."

em entrevista à Visão, 14 de Agosto de 2008

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Limpezas

Ontem agarrei num pano do pó era meio-dia, e só o pousei eram onze da noite. Arranquei tudo das paredes do quarto, limpei debaixo da cama, por trás dos móveis, em cada canto (e perguntei-me como é que não tenho nenhuma doença respiratória com o pó que fica acumulado por tudo quanto é lado). Tirei a roupa do roupeiro, os livros das estantes, arrastei a cama, arrastei os móveis, desliguei as fichas, atirei dezenas de revistas e jornais para o lixo e troquei as extensões de sítio. Nada ficou a salvo, nada ficou no lugar onde estava.
Estava furiosa, e não me ocorreu nada melhor para afastar as fúrias da cabeça. Ao menos agora, apesar das dores em tudo quanto é músculo (e sobretudo apesar das fúrias ainda aqui estarem), tenho um quarto novo.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Missão impossível

É Agosto e as lojas já estão cheias de roupa para o Inverno, e apesar de não me apetecer mesmo nada pensar em enfiar outra roupa que não seja o bikini, já vi que me espera uma missão (quase) impossível: encontrar um casaco de cabedal que seja bonito mas não seja de pele.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Tudo o que sempre sonhei

Houve um tempo em que achei que ele era tudo o que sonhei. Que se fizesse uma lista com tudo aquilo que gostava que um homem tivesse, essa lista era ele, por outras palavras. Nessa altura pensar “isto podia acontecer” provocava-me no estômago a mesma sensação que uma pá a escavar a barriga do umbigo até às costas. Mas afinal não. Ele não é tudo o que sempre sonhei. Não pode ser. Porque eu não sou, nem de longe, tudo aquilo com que ele sempre sonhou.

domingo, 3 de agosto de 2008

Estar de férias

Estar de férias é ter tempo para. É não ter obrigações. É fazer o que apetece. É ter cabeça para tudo. É querer ver o Murnau em vez do Miami Ink porque os neurónios não estão cansados e fritos ao final do dia. É estar de papo para o ar sem fazer nada e esse ser o momento alto do dia. Estar de férias é ter tempo. Senão vejamos: em duas semanas eu tive tempo para:

1. Tirar o aparelho dos dentes.
2. Ir com três miúdas para as ilhas gregas.
3. Apanhar quatro aviões e três barcos.
4. Alugar um carro e percorrer Santorini de uma ponta à outra.
5. Aprender dez palavras em grego (mas continuar sem perceber nada daquele alfabeto).
6. Conhecer o albanês mais tagarela do mundo.
7. Conhecer a cidade mais feia do mundo (Atenas).
8. Pisar o teatro mais antigo do mundo.
9. Apaixonar-me por Oia e pelas suas casinhas brancas de portas azuis encavalitas nas rochas à beira-mar.
10. Andar quilómetros debaixo de 40 graus para ver um vulcão que não é mais do que um buraco que cheira mal. (a partir de agora só me convencem se for o Vesúvio).
11. Comer iogurte grego com fruta, iogurte grego com mel, iogurte grego com fruta e mel, e iogurte grego com fruta, mel e cereais.
12. Mergulhar numa água de ferro, quente e cor-de-laranja, e estragar um bikini.
13. Falar de ex-namorados, de amor, de sexo, dos primeiros livros que se leram, dos livros que não se esqueceram, de música, de cinema, dos anos na escola, de comida, de viagens, de desilusões, de expectativas.
14. Descer 600 degraus a pé porque tive pena dos burros que fazem aquilo todos os dias com as pessoas às costas.
15. Ficar com 900 fotografias de sete dias.
16. Ler o Coetzee.
17. Ler a "Morte na Pérsia" da Annemarie Schwarzenbach".
18. Ler as "Memórias de um Louco" do Flaubert.
19. Começar a ler o "Caos Calmo" do Sandro Veronesi (e mesmo sem ter visto o filme imaginar perfeitamente o Nanni Moreti a fazer de Pietro).
20. Ir de propósito ao Bar do Guincho só para comer uma tosta.
21. Cheirar dezenas de perfumes e escolher um novo para o Inverno.
22. Descobrir uma praia nova.
23. Rever o "Paris, je t'aime".
24. Ir às farturas e cumprimentar a velhota da roulote como se nos víssemos todos os dias.
25. Estrear todos os vestidos de verão que estavam por estrear no armário.
26. Boiar no Mediterrâneo e boiar no Atlântico logo a seguir (água com oito graus a menos, sim).
27. Fazer daquelas palavras cruzadas que no fim formam um poema.
28. Pôr as três mil músicas do ipod no shuffle e ter paciência para tudo e rir-me da esquizofrenia do meu leitor de mp3: hardcore straight edge à mistura com Jacques Brel, os anos 80 das Bangles e do Billy Idol, Al Green e Boy Sets Fire, Cansei de ser Sexy e Starmarket, e todo o emo lá do baú (do tempo em que o emo era morrer de amor e não tinha nada a ver com cemitérios e olhos pintados de preto).
29. Ficar com mais sardas do que a Liv Ullmann nos filmes do Bergman.
30. Ter tempo para tudo aquilo que não tenho quando estou a trabalhar (e é Inverno). E ligar o computador só agora.