sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O dia em que as coisas acabam

É um dia igual aos outros. De manhã o sol nasce e à noite põe-se e fica escuro outra vez. Os donos passeiam os cães de manhã, os pais deixam os filhos na escola, as pessoas esperam pelo autocarro e a manteiga está dura de estar no frigorífico, como sempre. Mas não é um dia igual aos outros, cá dentro não é. O mundo que continua a girar com a mesma velocidade e as mesmas rotações por minuto parece que está envolvido numa espécie de celofane, ou que saímos de casa com as borrachas para o barulho ainda nos ouvidos. A vida continua, mas parece que só lá ao fundo, quase irreal, como as imagens que passam nas salas de espera das urgências e a quem ninguém liga. O dia em que as coisas acabam tem 24 horas como os outros mas é uma espécie de maratona interminável. É o dia do nosso fracasso, um fracasso pior do que ter negativa na escola ou perder uma corrida ou queimar o jantar com convidados à mesa, porque é um fracasso que vem de dentro, que vemos só como nosso, mesmo quando não é e é pouco justo impor esse peso. É o dia em que queremos que falem connosco e nos façam esquecer este aperto no peito, ou então que fiquem calados, porque dói se disserem coisas tristes, e dói se disserem coisas felizes. É o dia em que sentimos que estamos a andar para trás mesmo quando as pernas andam para a frente, e como não somos caranguejos não conseguimos evitar ficar ainda mais, um bocadinho mais tristes. Dizem-nos que é o primeiro dia das nossas vidas, mas enquanto acontece parece só um grande, enorme, baixar de braços.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Do filme que fui ver ontem (II)*

- Imagina que desde miúdo sonhas ter um leão, só queres ter um leão, mas os anos vão passando e nunca aparece nenhum. De repente vês uma girafa, sabes que podes ter a girafa. Não vais querer a girafa?
- Eu vou continuar à espera do leão.
- É por isso que me preocupas.

* Beginners - Assim é o amor (tradução das citações muito mas muito livre, que a minha memória já não é o que era).

Do filme que fui ver ontem*

- Porque é que me deixaste ir embora?
- Porque acho sempre que as coisas não vão resultar e então asseguro-me de que não resultam.

* Beginners - Assim é o amor, de Mike Mills

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Em modo Ratatui

Uma amiga mandou-me uma mensagem preocupada a dizer que o meu blogue anda muito “arratazanado”. Sendo o blogue uma extensão do que me vai na cabeça, isso preocupa-me. A única ratazana de que gosto no mundo é do Ratatui, e toda a gente sabe que o Ratatui é um desenho animado.  

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Corrector ortográfico

O dicionário do word não reconhece a palavra ternurenta e propõe, nas correcções, turbulenta.
Que grande cínico.

domingo, 11 de setembro de 2011

Uma costela existencialista

Sempre tive uma costela existencialista que, como qualquer osso atacado por reumatismo, de vez em quando dá sinal e dói e deixa-me atormentada. Quando era pequena, mais ou menos na altura em que o meu avô morreu, novo, na cama, sem mais nem menos, chegava a ficar acordada noites e noites a fio, com medo de morrer e nunca mais ver a minha família, as minhas amigas, as minhas bonecas a quem tinha inventado um nome e uma letra na escola e tudo, e ver apenas preto, silêncio, e para sempre. Com o passar do tempo, aprendi a fechar os olhos sem medo de nunca mais os abrir e a deixar as reflexões sobre a existência para os livros que me foram enchendo as prateleiras. Já não fico acordada de noite, com medo de morrer, mas não sei o que é pior: se isso, se aquilo que às vezes me relembra que a costela existencialista continua aqui e um dia o reumatismo vai mesmo virar artrose. Não é medo de morrer, que já se sabe que para sempre só vivem os sapos e as princesas das histórias contadas à beira da cama (e o Manoel de Oliveira, vá), mas é medo de não estar a viver a minha vida como devia, de lhe estar a passar ao lado. Porque se há coisa que percebi cedo, sem ter de queimar muitas horas de sono ou as poucas pestanas que tenho a ler calhamaços de Sartre e Camus, é que nestas coisas da vida, só temos mesmo esta. E a grande questão, capaz de meter medo até ao Exterminador Implacável (aquele do segundo filme, que ficava em gelatina e era mesmo assustador), é o que fazemos com ela.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Na moda com Alfred Hitchcock

Sou suspeita quando aos anos 60 porque ainda estou à espera que apareça uma actriz com tanto magnetismo como a Anna Karina ou uma estética feminina tão irrepreensível como a das senhoras a la Betty Draper. Mas a verdade é que tenho adorado - adorado - os editoriais que vão aparecendo nas revistas de moda depois dos desfiles deste Outono/Inverno e que só me fazem lembrar os filmes do Hitchcock. Primeiro foi o de Julho da Vogue Austrália, e agora a sempre maravilhosa Grace Coddington atira-nos, no September issue da Vogue, com uma sempre maravilhosa Natalia Vodianova no papel de uma espécie de Kim Novak ou Tippi Hedren dos tempos modernos. É que nem faltam os pássaros, está perfeito.

Algumas imagens do editorial da Vogue Austrália, fotografado por Nicole Bentley:






E algumas imagens do editorial da Vogue americana, fotografado por Mert Alas e Marcus Piggott.




quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Há dias em que sinto que isto das nove às cinco dá cabo de mim

Que o ar condicionado me seca até ao tutano e que um dia vou chegar a casa com as lentes de contacto tão coladas aos olhos que nunca mais vão sair. Que já não vou conseguir correr ao final do dia porque as minhas pernas vão estar em forma de cadeira, de estar tanto tempo sentada. Que as dioptrias  vão galopar incessantemente até ter de usar uns óculos fundo de garrafa que me vão fazer os olhos ainda mais pequeninos do que já são (e eu que sempre sonhei ter uns olhos à desenho animado japonês, mas mais pestanudos). Que vou fazer contas e vou perceber que os meus dias têm mesmo 24 horas mas nenhuma coisa de especial, e olha, lá se foi mais um. Que vou estar velha antes do tempo e que não me lembro de ouvir os meus pais queixarem-se disto tanto como ouço a minha geração, porque é que será? Em dias como esse, como hoje, esqueço-me que até tenho um trabalho que não é monótono e ai de mim, podia ser muito pior. Em dias como esse, como hoje, aterra-me um livro na secretária chamado A Arte do Inconformismo, de um tipo que largou o trabalho das nove às cinco e vive do que gosta a viajar pelo mundo, e pergunto-me que raio de ironia distorcida terá Deus ou o universo para se rirem das minhas angústias dessa maneira. Sinto-me um macaco numa jaula a olhar para as bananas lá no alto e a culpa é toda do autor desse livro e de uma parábola que está na contracapa e que é demasiado grande para estar aqui a reproduzir. Nunca gostei de macacos, desde pequena, e só estou a ver uma solução para este estado de espírito que se apoderou de mim com toda a força: vou comprar todos os cachos de bananas que houver no supermercado e na frutaria ao lado de casa. Porque posso estar numa jaula, sim, mas ao menos a jaula dá-me dinheiro para comprá-las e para oferecê-las e para pô-las na despensa, se quiser. Tira-me tempo e disponibilidade mental para as saborear, é verdade, mas isso vou ter de continuar a arranjar para mim. É uma promessa que fiz a mim própria nestas férias e, já se sabe, as promessas são para se cumprir.

domingo, 4 de setembro de 2011

Estive uma semana fora...

... e ele meteu logo outra pessoa cá em casa. Chama-se FM, é mais conhecido por Football Manager, e quer-me parecer que é a nova companhia preferida das tardes, noites e madrugadas.