quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Quando for grande quero escrever como o Rui Cardoso Martins

E não tem nada a ver com o facto de ele ter ganho agora o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, com um livro que, para mim, foi um dos melhores de 2009 (Deixem Passar o Homem Invisível). Nem com aquele jeito de misturar erudição com humor negro, ou de acabar uma frase com tudo menos aquilo com que pensávamos que ia acabar quando a frase começou. Ou melhor, tem a ver com isso mas sobretudo com um texto específico escrito para a Time Out Lisboa e publicado há um ano. O tema era Como eu escrevo, e ele escreveu isto:

Como não escrevo. Não escrevo sem lavar os dentes, as palavras ganham sarro e devem sair frescas da boca para a ponta dos dedos. Não escrevo sem pensar que são quê, cinco da manhã, voltaste a acordar antes do sol e é bom que tenhas algo a dizer na confusão do mundo. Não escrevo de barriga cheia ou com vestígios de ressaca. Reduz o horário de escrita do ano, mas nada a fazer. Se começas a ficar tonto, come as palavras que estão a mais, há sempre muitas. Quando não aguentares o jejum, se a própria fome te engorda a frase, vai ao frigorífico e repõe o açúcar e o sal no sangue.
Não escrevo sem pensar nas possibilidades do ridículo de escrever, que nunca acabam. Não escrevo sem pensar que posso ser mais uma pessoa que devia fazer outra coisa na vida. Não escrevo sem perceber que então ia fazer o quê?
Agora como escrevo, se conseguir. Escrevo contra a maldade e a ignorância que estão dentro de mim. Escrevo também a favor delas, são adversários magníficos a quem foram dados muitos anos de avanço.
Escrevo a pensar nas formas impossíveis do amor, se for preciso inventa-se mais uma verdadeira.
Escrevo contra a escravatura das religiões, a obrigatoriedade da fé que tanto mal faz às crianças da Terra. Tenho respeito por Deus, mas se existe é má pessoa. Eu mudava de atitude, com tantos poderes.
Escrevo a combater as conspirações da realidade, a meio desta frase lá está ela a conspirar, algures. Apesar de tudo, acredito que a vida triunfa, não escrevam Fim antes de acabar a história. Sou um optimista mas não percebo porquê. E se isto fosse fácil era para os outros, como dizem os marines e disse uma pessoa que amei. Escrevo porque me pediram para escrever e porque me pediram para não escrever e foram todos bons conselhos de gente formidável. Escrevo porque tenho muitos amigos e amigas e alguns deles são um pouco malucos. E tenho filhos e pais e irmãs.
Escrevo porque viajei e vi injustiça e sofrimento. Não serve de nada escrever sobre desgraças, ou quase nada, mas algum nada temos de fazer. Muito do sofrimento que vi é meu e português e mundial. Também faz rir, mas acredito que o humor é aprofundar, não aligeirar.
Escrevo contra as pessoas parvas.
Escrevo porque as mulheres são bonitas e cheiram bem. E pelos vivos e pelos mortos, as pessoas vivem e de repente morrem-nos. E o mar tem peixes e os bosques pássaros e o esgotos ratos. Escrevo porque é uma profissão interessante, há de certeza melhores, mas não me calharam nem podia ser.

Se isto não é o melhor texto sobre a escrita, não sei qual poderá ser. E é por isso que volta e meia cá volto a lê-lo. E que digo sempre: quando for grande quero escrever como o Rui Cardoso Martins.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Coisas que deviam ser proibidas quando se regressa de férias

(e que não param de me acontecer):

- ter de trabalhar até à meia-noite e meia logo no segundo dia;
- ir acabar de desvitalizar um dente e estar 40 minutos de boca aberta a pensar "eu estava tão bem na praia, eu estava tão bem na praia";
- chover.