segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Um bom problema

Depois da dor de cabeça dos spreads e das contas e das mil declarações para conseguir ter crédito. Depois do imposto de selo, das mil e uma comissões, das avaliações e do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (só o nome dói). Depois do reconhecimento das assinaturas, das rubricas feitas à exaustão, dos seguros de vida, das novas palavras aprendidas (palavras feias como distrate), das reclamações e da voz monocórdica das conservatórias, tenho um novo problema, um bom problema: Preciso de arranjar um porta-chaves para as chaves da casa nova.
A minha casa.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Hable con ella

"A las mujeres siempre les gusta que uno las tenga en cuenta."

O Almodóvar é que sabe.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O amor nos setentas

Na semana passada tive um daqueles encontros que ficam e me deixam a pensar durante vários dias, quem sabe mais ainda. Conheci uma senhora nos seus 70 anos, de vestido florido e sorriso de orelha a orelha, que na fila de espera para arranjar mesa numa pizzaria se pôs a conversar um bocadinho comigo e com a minha mãe, que também lá estava. Não sei o que me impressionou mais, se a enorme alegria que ela tinha, se o facto de nos confessar, logo de início, que era uma romântica incurável e que era assim desde pequena, quando ia ao cinema Paris (que hoje já nem existe) e saía de lá a sonhar com a maravilha daquilo tudo. Dizia ela que hoje em dia não consegue ligar a televisão de manhã, porque não gosta e faz muito barulho, mas que tem a rádio a dar música todo o dia. Que ter aquilo ligado a anima, porque vão passando as músicas de que gosta (e ao explicar isto deu quase um passinho de dança) e tem sempre companhia. Não que viva sozinha, porque é casada e vive com o marido, um rapaz que conheceu ainda miúda, numas férias de Verão, e que a levou da sua Lisboa – “do que eu tenho saudades é das noites quentes de Verão” – para se tornar no companheiro que ainda tem hoje em dia.
“Agora já está velhote mas ainda é um belo homem, não é?”, perguntou-nos, fazendo um movimento com os olhos em direcção a um senhor alto e com um farto cabelo branco encostado mais ao fundo, junto ao balcão.
Acho que se calhar foi isso o que mais me impressionou. O orgulho com que ela disse aquilo. “É um belo homem.” E depois o olhar fixo a confessar “só tenho medo de quando nos separarmos. Quando nos separarmos, sabe”, com aquela certeza de que só a morte pode fazer uma coisa dessas. “Gostava que fosse ao mesmo tempo.”
Nunca pensei que fosse possível ter 27 anos e ter inveja de um amor destes. Ou daquela alegria de ter tudo onde é suposto estar, exactamente no sítio, mesmo com todas a rugas por cima.
Só sei que eles se sentaram na mesa com outro casal e conversaram o tempo todo, ou pelo menos o tempo todo em que eu consegui espreitar pelo canto do olho.
Esta senhora de quem nem sei o nome sonhava com os filmes que via no cinema Paris. Eu, depois de a conhecer, sonho em ter setenta anos e ter um amor assim. Ou mesmo trinta. Se nos trintas o meu amor for como aquele, e a minha costela romântica ainda sobreviver sem mais nenhuma fractura, já não era nada mau.