Estar de férias é ter tempo para. É não ter obrigações. É fazer o que apetece. É ter cabeça para tudo. É querer ver o
Murnau em vez do Miami
Ink porque os neurónios não estão cansados e fritos ao final do dia. É estar de papo para o ar sem fazer nada e esse ser o momento alto do dia. Estar de férias é ter tempo. Senão vejamos: em duas semanas eu tive tempo para:
1. Tirar o aparelho dos dentes.
2. Ir com três miúdas para as ilhas gregas.
3. Apanhar quatro aviões e três barcos.
4. Alugar um carro e percorrer
Santorini de uma ponta à outra.
5. Aprender dez palavras em grego (mas continuar sem perceber nada daquele alfabeto).
6. Conhecer o albanês mais tagarela do mundo.
7. Conhecer a cidade mais feia do mundo (Atenas).
8. Pisar o teatro mais antigo do mundo.
9. Apaixonar-me por Oia e pelas suas casinhas brancas de portas azuis encavalitas nas rochas à beira-mar.
10. Andar quilómetros debaixo de 40 graus para ver um vulcão que não é mais do que um buraco que cheira mal. (a partir de agora só me convencem se for o Vesúvio).
11. Comer iogurte grego com fruta, iogurte grego com mel, iogurte grego com fruta e mel, e iogurte grego com fruta, mel e cereais.
12. Mergulhar numa água de ferro, quente e cor-de-laranja, e estragar um bikini.
13. Falar de ex-namorados, de amor, de sexo, dos primeiros livros que se leram, dos livros que não se esqueceram, de música, de cinema, dos anos na escola, de comida, de viagens, de desilusões, de expectativas.
14. Descer 600 degraus a pé porque tive pena dos burros que fazem aquilo todos os dias com as pessoas às costas.
15. Ficar com 900 fotografias de sete dias.
16. Ler o Coetzee.
17. Ler a "Morte na Pérsia" da Annemarie Schwarzenbach".
18. Ler as "Memórias de um Louco" do Flaubert.
19. Começar a ler o "Caos Calmo" do Sandro Veronesi (e mesmo sem ter visto o filme imaginar perfeitamente o Nanni Moreti a fazer de Pietro).
20. Ir de propósito ao Bar do Guincho só para comer uma tosta.
21. Cheirar dezenas de perfumes e escolher um novo para o Inverno.
22. Descobrir uma praia nova.
23. Rever o "Paris, je t'aime".
24. Ir às farturas e cumprimentar a velhota da roulote como se nos víssemos todos os dias.
25. Estrear todos os vestidos de verão que estavam por estrear no armário.
26. Boiar no Mediterrâneo e boiar no Atlântico logo a seguir (água com oito graus a menos, sim).
27. Fazer daquelas palavras cruzadas que no fim formam um poema.
28. Pôr as três mil músicas do ipod no shuffle e ter paciência para tudo e rir-me da esquizofrenia do meu leitor de mp3: hardcore straight edge à mistura com Jacques Brel, os anos 80 das Bangles e do Billy Idol, Al Green e Boy Sets Fire, Cansei de ser Sexy e Starmarket, e todo o emo lá do baú (do tempo em que o emo era morrer de amor e não tinha nada a ver com cemitérios e olhos pintados de preto).
29. Ficar com mais sardas do que a Liv Ullmann nos filmes do Bergman.
30. Ter tempo para tudo aquilo que não tenho quando estou a trabalhar (e é Inverno). E ligar o computador só agora.