Este domingo estive em casa da minha mãe a remexer em gavetas e a tentar escolher, entre os álbuns antigos, uma ou duas fotografias para emoldurar na sala e tirar de vez aquela imagem de um menino a preto e branco que já vinha na moldura e que está há meses a fazer-me companhia sem que eu nunca o tenha visto na vida. Claro que ao fim de cinco minutos já não sabia bem porque é que lá tinha ido: de repente já estava a ver fotografias só por ver, com aquele misto de alegria do “olha este bolo que tu me fizeste” e de saudade das pessoas que já morreram, dos cães que já tive, dos primos que eram unha e carne e hoje nem sei onde vivem, dos meus pais tão felizes como eu nunca os vi. Sempre tive uma relação estranha com as fotografias antigas, porque sempre me incomodou a ideia de ver pessoas que não sei quem foram e não ter outro remédio senão imaginar-lhes uma vida, ou ver pessoas que foram tão especiais mas já morreram e saber que daqui a uns anos serão os meus filhos, os meus netos e bisnetos (god!) a olhar para tudo e a não fazer ideia dos nomes, das caras, das histórias, de quem elas eram. Lembro-me até, numa altura em que todos os meus colegas protestavam por ter de ler a Aparição a tempo do exame, de ficar absolutamente fascinada com o capítulo dedicado ao álbum de fotografias e que era precisamente isso: uma espécie de angústia por estar tudo esquecido, uma espécie de angústia pela previsão de ir ser esquecido.
Não sei de onde me vem este lado existencialista – ainda hoje acho que assustei o meu melhor amigo quando lhe perguntei, aos 17 anos, o que é que ele diria a si próprio se se encontrasse na rua –, mas sei que não vai melhorar com o tempo. Não que isso seja necessariamente mau ou interfira sequer com o meu estado de espírito. É só a forma como as coisas são, imagino que o meu lado profundo. E ao menos no meio disto tudo sei exactamente o que quero, ainda que nunca o consiga: envelhecer com alguém que faça aquilo que o meu querido Julian Barnes escreveu no último livro: olhe para mim com 60 anos e veja o que está igual, mesmo que eu só veja o que desapareceu.
4 comentários:
não consigo concordar com a expressão 'uma espécie de angústia por estar tudo esquecido, uma espécie de angústia pela previsão de ir ser esquecido', as fotos não existem exactamente para isso para nunca esquecer e para nunca ser esquecido, para lembrar sem qualquer tipo de angústia ou melancolia ou nostalgia ou saudosismo, as fotos não têm esse propósito de apesar de já cá não estarmos fisicamente, faremos sempre parte da memória de alguêm, quando olha uma simples fotografia.
É sempre bom ler-te, identifico-me muito. Tenho a certeza de que vamos conseguir.
Gosto muito de te ler*
Também sinto essa nostalgia, e muitas vezes as fotografias levam-me às lágrimas...
E também gostei muito de Aparição, Vergílio Ferreira tornou-se num dos meus escritores preferidos. :)
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