sábado, 12 de abril de 2008

Almoços solitários

Quando aproveito a hora de almoço para tratar de burocracias, como ontem, é certo e sabido que vou ter de almoçar sozinha, a correr. Confesso que me deprime um bocadinho a ideia da garfada solitária, o não ter para onde olhar (em casa não me importo nada, tenho a televisão e mil dvds para ver), o não ter com quem falar. Nem é a ideia de estar sozinha, que tenho aprendido a valorizar nos últimos anos e que até me sabe bem, ao ponto de ter saudades quando é demasiada a informação e as solicitações e pouco o tempo para parar, pensar e estar sem ninguém por perto. Dizia eu que nem é a ideia de estar sozinha, é antes um desconforto de não saber onde pousar os olhos, de desvirtuar um acto que devia ser comunitário e de haver uma tendência para engolir tudo sofregamente, o que não é nem de longe aconselhável e me deixa quase sempre com azia.
É por isso que, quando tenho de ir almoçar sozinha, tenho um truque: procuro um mesa junto a um grupo (duas pessoas bastam) que esteja animado, e sento-me ao lado para ouvir a conversa. Não é bonito e vai contra uma das regras básicas das boas maneiras, eu sei, mas também nunca ouvi nada de especial - as pessoas falam da manhã que tiveram, do tempo, do fim-de-semana, do trabalho, aqui e ali de relações, de ralações e projectos. É uma distracção, de certa forma uma companhia.Mas ontem, quando na mirada (in)discreta procurei esse tal lugar, constatei que a grande maioria das pessoas estava a almoçar sozinha. Mesa sim mesa sim, num daqueles espaços abertos de restauração de centro comercial, seguiam-se almoços solitários, rápidos. Não sei se as razões eram as mesmas que as minhas, se toda a gente resolveu aproveitar para tratar de burocracias, se pura e simplesmente não têm companhia ou se estão fartas umas das outras e precisam desse tal tempo para parar, pensar e estar sem ninguém.Sei que foi uma constatação triste. Aqueles olhos parados num ponto do infinito ou distraídos numa revista ao lado do prato, no meio de um espaço tão cheio de gente, ficaram-me na cabeça. Talvez porque sinto actualmente uma solidão completamente diferente da que alguma vez senti até hoje, aquela solidão que a Clarice Lispector descreveu tão bem e que tem a ver com o facto de ninguém ser eu a não ser eu, e ninguém poder estar dentro da minha cabeça a não ser eu. O que não seria necessariamente mau ou triste, se não se desse o caso de nem eu, que sou a única pessoa que está na minha cabeça, perceber o que quero.

3 comentários:

apipocamaisdoce disse...

Odeio almoçar sozinha. Odeio odeio odeio odeio odeio odeio! E odeio!

SMS disse...

Tu não sabes o que queres? Sabes, sim senhora. E eu também sei. Ou, como diriam os Gato: "O que tu queres sei eu!" Tu só queres é alguém com quem almoçar, ora bolas! Com quem almoçar, com quem jantar, com quem partilhar alegrias e tristezas. E isso não tem nada de estranho. E vai acontecer, mais dia menos dia. Miúdas tão giras como tu não há assim ao pontapé. E também não acredito que os gajos andem todos ceguinhos. Mais uns almoços sozinha e... the prince charming appears.

Lux Lisbon disse...

Só jantei sozinha uma única vez na vida.Quando estive em reportagem em Londres, não tive outro remédio senão descer ao restaurante em frente ao Hotel e pedir mesa para um...e ali fiquei eu rodeada de casalinhos e famílias a jantar! ;(