segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O amor nos setentas

Na semana passada tive um daqueles encontros que ficam e me deixam a pensar durante vários dias, quem sabe mais ainda. Conheci uma senhora nos seus 70 anos, de vestido florido e sorriso de orelha a orelha, que na fila de espera para arranjar mesa numa pizzaria se pôs a conversar um bocadinho comigo e com a minha mãe, que também lá estava. Não sei o que me impressionou mais, se a enorme alegria que ela tinha, se o facto de nos confessar, logo de início, que era uma romântica incurável e que era assim desde pequena, quando ia ao cinema Paris (que hoje já nem existe) e saía de lá a sonhar com a maravilha daquilo tudo. Dizia ela que hoje em dia não consegue ligar a televisão de manhã, porque não gosta e faz muito barulho, mas que tem a rádio a dar música todo o dia. Que ter aquilo ligado a anima, porque vão passando as músicas de que gosta (e ao explicar isto deu quase um passinho de dança) e tem sempre companhia. Não que viva sozinha, porque é casada e vive com o marido, um rapaz que conheceu ainda miúda, numas férias de Verão, e que a levou da sua Lisboa – “do que eu tenho saudades é das noites quentes de Verão” – para se tornar no companheiro que ainda tem hoje em dia.
“Agora já está velhote mas ainda é um belo homem, não é?”, perguntou-nos, fazendo um movimento com os olhos em direcção a um senhor alto e com um farto cabelo branco encostado mais ao fundo, junto ao balcão.
Acho que se calhar foi isso o que mais me impressionou. O orgulho com que ela disse aquilo. “É um belo homem.” E depois o olhar fixo a confessar “só tenho medo de quando nos separarmos. Quando nos separarmos, sabe”, com aquela certeza de que só a morte pode fazer uma coisa dessas. “Gostava que fosse ao mesmo tempo.”
Nunca pensei que fosse possível ter 27 anos e ter inveja de um amor destes. Ou daquela alegria de ter tudo onde é suposto estar, exactamente no sítio, mesmo com todas a rugas por cima.
Só sei que eles se sentaram na mesa com outro casal e conversaram o tempo todo, ou pelo menos o tempo todo em que eu consegui espreitar pelo canto do olho.
Esta senhora de quem nem sei o nome sonhava com os filmes que via no cinema Paris. Eu, depois de a conhecer, sonho em ter setenta anos e ter um amor assim. Ou mesmo trinta. Se nos trintas o meu amor for como aquele, e a minha costela romântica ainda sobreviver sem mais nenhuma fractura, já não era nada mau.

13 comentários:

Bluebluesky disse...

Há amores assim...e sonhar com eles não faz mal nenhum :)

margarida disse...

Até me fica a lágrima no canto do olho "Gostava que fosse ao mesmo tempo".

R.L. disse...

*suspiro*

chinfrim disse...

Cheira-me que por mais fracturas que sofras, nunca deixarás de ser uma romântica. E... se pôr os pés no chão é assustador, continuemos a sonhar.

Pérola Negra disse...

Ao "ouvir-te" falar desta senhora parecia que estavas a falar da minha avó... Eu também quero um amor assim pra mim! Aliás eu cosumo dizer que quero um homem que passados muitos anos olhe para mim como o meu pai ainda olha para a minha mãe! Beijinhos

Carla Santos Alves disse...

Nem sei comentar...é maravilhoso sim!

Jo disse...

no fundo é o que todos queremos...um amor assim...que só acabe quando isto tudo acabar.
por mais que soframos acho que nunca vamos deixar de acreditar que ainda é possível :)

Mafalda Azevedo disse...

... muito bonito. No que toca ao amor quase eterno, deixo-te duas sugestões:
El hijo de la novia e o Away from Her com a fantástica Julie Christie.

Um beijinho!

coffee breaker disse...

adoro uma boa história de amor.

PomPix disse...

Acho que é o que todas as pessoas querem, mais tarde ou mais cedo... Encontrar alguém com quem partilhar o resto da vida e cuja companhia seja reconfortante para que juntos possam ter uma velhice feliz.

Panda disse...

Eu vejo um amor assim nos meus pais felizmente, e nos meus 10 anos de relacionamento eu vejo um amor assim. Ainda hoje dei comigo a pensar que se o meu pai falta à minha mãe e vice versa, o outro não aguenta muito tempo, tenho a certeza.
E se o meu amor continuar como é, espero também que seja ao mesmo tempo, porque ele enche a minha vida de alegrias.
Boa sorte :)

Sentimento de Mim disse...

Felizes dos que se completam no outro.

Me,myself & I! disse...

O meu pequeno coração de pedra ficou enternecido com este teu texto...