No outro dia estávamos a fazer zapping e apanhámos um bocadinho do filme o Sexo e a Cidade, naquela parte em que a Carrie se vai deitar ao lado do Big e lê algumas cartas do livro Love Letters of Great Men. São cartas desesperadas, com aquele amor de morrer igual ao do Camilo Castelo Branco e que enlouquece homens que nunca imaginaríamos que perdessem minutos a exclamar juras de amor, quanto mais a escrevê-las, como Napoleão ou Beethoven. Nessa cena, a Carrie pergunta ao Big se ele alguma vez lhe escreveu uma carta de amor, ao que ele pergunta se um fax também conta, ainda por cima enviado pela secretária e não por ele. E depois ele diz uma coisa que é acertada, mas que não devia estar correcta: que aqueles homens diziam aquelas coisas porque estavam longe das amadas e os amores eram difíceis. Basicamente, que havia tempo para ter saudades.
Isto deixou-me a pensar nas declarações de amor de todos os dias, e no facto de serem tão raras. As pessoas que se vêem todos os dias tendem a esquecer-se de dizer "amo-te", "adoro-te", "gosto de ti "ou "estás bonita(o)" (e já nem falo de expressões como "minha vida", "meu tudo" e "meu próprio ser", como está nessas cartas). Assumem que por estarem perto todos os dias não é preciso dizer. Que comprar cartões, flores, enviar mensagens românticas ou mandar saudades a meio do dia são gestos só dos primeiros tempos de namoro ou das efemérides, no resto do tempo não são precisos. Como se não fosse necessário cortejar, surpreender e dizer simplesmente que há paixão só porque se vai para a mesma casa ao final do dia, se dorme na mesma cama ou se vai ao supermercado fazer as compras do mês. E não devia ser assim porque o amor de todos os dias é na verdade muito mais complicado do que o amor da distância, das saudades, das cartas apaixonadas.
Viver todos os dias é ver o melhor e o pior. A cara antes da maquilhagem, as olheiras antes do café, o jantar queimado no tacho, o pijama foleiro, o robe de avó e as calças entaladas nas meias quando aperta o frio. É levar com os nervos do dia-a-dia, a gritaria do trabalho ainda a fazer eco em casa, as dúvidas, a depressão de inverno, as manias e tiques e limpezas.
O Byron é que dizia: "é mais fácil morrer por uma mulher do que viver com ela". Porque viver é que é a grande prova. O grande amor. E o que eu quero dizer é: o amor nunca devia ser tomado como um pressuposto - a célebre desculpa "claro que gosto de ti, senão não estava contigo". O amor deve ser dito em voz alta, manifestado em actos loucos e românticos de vez em quando, enviado por mensagem, escrito num telegrama, num espelho, no pó dos móveis, se for preciso. O amor deve ser dito em voz alta mesmo quando se está lado a lado. Mesmo não: sobretudo quando se está ao lado.