segunda-feira, 31 de março de 2008

Os anos 80 ainda vivem

Na semana passada, numa viagem de metro de regresso a casa, vinha em pé a maldizer as avarias do metro que prolongam a hora de ponta ad eternum, quando reparei numa coisa extraordinária. Uma criancinha nos seus cinco anos com a mãe, nos seus 30. Não havia nada, no quadro familiar, que chamasse a atenção à primeira vista: não eram bonitas, não estavam vestidas de fluorescente, e a miúda tinha o hábito que têm todos os miúdos que andam no metro: um lugar livre mas umas pernas irrequietas, passando mais tempo no intervalo entre as cadeiras do que no assento propriamente dito. Mas o que foi extraordinário foi o diálogo que se seguiu entre as duas. Primeiro, o reparo da mãe, quando disse para ela parar de espernear e incomodar os outros passageiros. Não foi "levas uma bofetada", não foi "pára quieta senão levas uma estampilha", não foi "vou chamar o papão" nem o homem do saco, nem nada dessas psicologias de meter medo que não metem medo nenhum. Disse apenas: "Porta-te bem, ou já sabes, é como na música", ao que a miúda desatou a cantar:

"Chamem a polícia, wow wow wow
Chamem a polícia."

E por aí fora.
Mas o melhor foi depois. Não bastava ir buscar os Trabalhadores do Comércio e esta música que nos fica na cabeça com mais força do que um piolho nos cabelos de um miúdo na colónia de férias. Não, todos os reparos que se seguiram foram feitos com base em músicas portuguesas dos anos 80. Todas. Até as duas saírem, foi um desfilar de cultura musical retro que eu tive vontade de me esbofetear e de perguntar à senhora como é que alguém com aquelas raízes horríveis no cabelo e aquele ar desmazelado tinha um método tão interessante de educar a criança. Porque depois do Chamem a Polícia, foi o comentário às ideias malucas da miúda: "Filha, não pode ser assim. Quando a cabeça não tem juízo..." E é claro que a pirralha sabia a resposta: "...O corpo é que paga."
E toma, numas três, quatro estações de metro, já estava Trabalhadores do Comércio 1 - António Variações 1.
Antes de elas saírem, ainda tive direito a um bocadinho do "chiclete (prova), chiclete (mastiga), chiclete (deita fora)", e tudo porque veio à baila a palavra pastilha.
Foi bonito de se ver. Bonito.
Os anos 80 ainda vivem.

As segundas feiras


quarta-feira, 26 de março de 2008

Um poema mais do que certo

"A esperança entre as urtigas
quanto mais crescer mais será
rasgada."

Pedro Mexia, in Senhor Fantasma (Ed. Oceanos)

domingo, 23 de março de 2008

Pode-se viver com um amor platónico?

Um amor que não é bem amor e que é tão velho que já devia ter ido para algum outro lugar?
E ficar feliz com uma mensagem que está a dezoito mil quilómetros de nós?

Sim.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Ironia

Quando decido ser forte, pragmática, bla bla bla, e não desatar numa choraminguice de "ninguém me ama", é quando o meu olho direito resolve, pela primeira vez na vida, ficar com uma inflamação. E é vê-lo todo o santo dia, há três dias, de lágrima pronta a saltar ou a rolar pela bochecha abaixo, à mínima brisa de vento.
É tudo mau: primeiro incomoda, e muito. Depois, borra-se a pintura toda, e a cara que sai impecável de casa fica a parecer um quadro do Jason Pollock. No metro, incorre-se no olhar de condescendência do passageiro do lado, que nos toma por uma coitadinha choramingas, a limpar os olhos de minuto a minuto; na rua, anda-se de óculos escuros quando a luz já é de lusco-fusco, praticamente cegueta.
Mas o pior de tudo, o que mais me irrita, é o timing. Quando uma pessoa decide ser dona das suas lágrimas e das suas tristezas - pum!, é quando o olho resolve chorar por si próprio.
E a mim só me ocorre que é realmente caso para dizer... p*** da ironia!

terça-feira, 18 de março de 2008

Bonjour tristesse*

Bonsoir tristesse.
Bonne nuit tristesse.
Au revoir tristesse.

Um dia é o máximo que permito.
Não vou dar importância a quem não me dá importância.
Porque não devia ser preciso esbracejar para me verem.
E quero ser arrebatada.

* título roubado à Françoise Sagan

sábado, 15 de março de 2008

sexta-feira, 14 de março de 2008

Café

São manhãs como esta, em que sinto os olhos quentes e a arder de sono, e o cérebro continua desligado mesmo depois de ter acordado há quatro horas, que me convenço que preciso de começar a tomar café. Café forte, nada daquelas imitações com leite, chocolate branco, natas e canela, tão americanos (e calóricos!) mas tão ao meu gosto. Café expresso. Café sem açúcar. Amargo.
Sim, amargo. A condizer com a manhã, que já estava a ser uma completa merda e acabou de ficar pior, porque soube que o Astoria vai fechar, ao que parece para dar lugar a uma nova linha de metro.
Se calhar em vez de um café preciso de uma anestesia geral. Ou de hibernar e só voltar a acordar em Junho.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Livros sublinhados

Hoje falámos de livros ao almoço, por entre o tupperware com as sobras do jantar da véspera (que isto da geração à rasca não é mentira, e para ter umas coisas é preciso poupar noutras). Falámos de livros e de sublinhar livros, e das frases-identificação, aquelas que lemos e nos levam a pensar "isto foi escrito para mim, isto é o que eu penso / o que eu sou / o que eu sinto".
Eu não sou de sublinhar muito (porque tenho aquela espécie de reverência para com o livro-objecto-santuário) mas lembrei-me dos diários do Miguel Torga. Porque são os livros mais sublinhados que eu devo ter e, atrevo-me a dizer, os melhores de memórias escritos em português (também não há muitos, é verdade).
É que o Torga tem tudo: páginas e páginas sobre a morte e o sentido da vida. Aquela angústia da ausência de um deus e da missão de criar do artista. O amor mais que umbilical à terra natal, à terra-terra, à urze. Os dias ou as sensações contados em poemas, que parecem tão espontâneos e fáceis de escrever como um sms, em Coimbra, na cadeia do Aljube ou em incontáveis viagens. O facto dele não se abrir com ninguém e ser meio avarento mas depois dar consultas gratuitas. O quotidiano retratado com tanta desenvoltura de escrita. Haver ali uma solidão enorme e um enorme medo de não conseguir viver a vida.
E agora quando chego a casa vou buscar os dois calhamaços que reúnem os diários todos, abro ao acaso o primeiro volume e sublinhado encontro isto:

"O homem, embora às vezes pareça o contrário, é modesto. Inventa dois mil caracteres e serve-se apenas de vinte ou trinta. Descobre a metafísica, o cálculo diferencial, a lógica formal, a botânica, mas fala quotidianamente de coisas triviais. De pão, de vinho e de pantufas."

E como me entusiasmo a ler umas frases aqui e ali outra vez, deixo queimar o jantar no forno.

terça-feira, 11 de março de 2008

Porquê?

Mas porquê, expliquem-me, é que sempre - sempre - que ando de autocarro há alguém que tem como toque de telemóvel o som de um bebé a rir? Quem disse que era giro? Quem disse que nos alegrava o dia? Quem permitiu ter uma GA GA GA! HI HI HI! a irromper vindo do nada, aos gritos no banco de trás, capaz de nos provocar uma síncope?
Credo.

Apetece-me

Dormir toda a semana.
Ou ter tempo para ler o jornal de manhã.
Ir viver para fora de Lisboa.
Andar mais a pé (sem ser a correr).
Estar com quem quero estar sem ter de dar justificações.
Fazer uma maratona de dvds em casa.
Comer uma caixa de trufas.
Voltar a ler livros de filosofia.
Ir ver os Copeland a Chicago.
Passar mais tempo com a minha gata e com a cadela.
Comprar dois relógios de marca num mês sem me sentir culpada.
Visitar um sítio completamente novo e arrebatador.
Deixar de querer que tu me procures.
Ir às sessões das 15.30 da Cinemateca.
Dançar.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Nem mais...

"O verdadeiro amor é dar o que não se tem a alguém que não o quer."

in Turbo-Folk, criação do Teatro Praga.
No São Luiz até 15 de Março.

domingo, 9 de março de 2008

É melhor começares a plantá-las hoje...


Ontem foi Dia da Mulher. Na sexta já andavam no Chiado a distribuir rosas vermelhas. Apesar de ter feito a Rua Augusta de uma ponta a outra, para cima e para baixo, não me calhou nenhuma. Ninguém me ofereceu uma flor ou um crachá ou uma espiga sequer. Pensando nisso, ninguém me oferece uma flor há muito muito tempo.
Também não fez mal. Porque no ponto em que me encontro, o grau zero do romantismo, não basta que me ofereçam uma flor. Ou um ramo de flores.
Um campo inteiro pode ser.
Já disse que as minhas preferidas são margaridas brancas?

quinta-feira, 6 de março de 2008

Meo

Hoje vieram instalar o Meo cá a casa. É um longo processo. São muitos fios, muito cabo, muito arrastar de móveis, muito pó, muito parafuso, muito suspiro do técnico. Uma caixinha lá fora para o sinal não sei de quê, uma extensão cá dentro para comunicar com a caixinha lá de fora, um router num canto da sala, uma box no outro. Ao início da tarde a cadela a ladrar, a uivar e a rosnar sempre que o técnico mudava de divisão. Ao final da noite o senhor a ver o prolongamento e os penaltis do Porto connosco, e até a trincar um bolinho.
E eu o tempo todo a pensar: às dez e meia tem de estar tudo a funcionar para eu ver o Dexter, às dez e meia tem de estar tudo a funcionar para eu ver o Dexter, às dez e meia tem de estar tudo a funcionar para eu ver o Dexter, ...
Mas o momento alto de toda a operação foi quando o técnico quis testar o sinal do telefone e deu por si a olhar para uma Hello Kitty cor de rosa em cima de um móvel, e a perguntar, de ar incrédulo e dedinho tímido em riste: "o telefone é... esta... coisinha?"
É. Somos duas mulheres adultas cá em casa e o telefone é uma Kitty do tamanho de um frasco de compota, uma Kitty vestida de cor de rosa e que se abre ao meio para falar. Foi o único telefone que sobreviveu a uma descarga de electricidade, os que usávamos eram outros - respeitáveis, cinzentos, portáteis - mas claro que o senhor não sabe disto.
E parece-me que "coisinha" é uma forma simpática de nos chamar loucas e pirosonas.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Calorias indecisas

Entre o send e o não send, entre ter e não ter tomates, foi-se um saco inteirinho de gomas.